Copenhague será oportunidade para o Brasil
Por Neuza Árbocz*, para a Envolverde
14/10/2009 - 07h10
As alterações no clima global não precisam mais ser medidas apenas com instrumentos científicos. Já chegaram aos noticiários das Tvs, que mostram extremos de secas e chuvas, descontrole no comportamento de espécies e cenas de desalento com derretimentos de geleiras nos polos e nas montanhas. Combater a aceleração deste processo de aquecimento global é vital para a a manutenção dos habitats humanos e para reduzir a extinção em massa de espécies em todo o planeta. O mundo precisa de um acordo global urgente e eficaz para enfrentar este desafio e os perigos que as mudanças climáticas representam, e o Brasil pode ter um papel de destaque na formulação das políticas públicas que vão balizar um novo padrão de economia, baseado em baixas emissões de carbono e mais solidária em relação aos problemas sociais.
Esta visão foi defendida pelos participantes do Diálogos Capitais “Na Rota de Copenhague – O Brasil e os compromissos para a construção de uma economia de baixo carbono”, realizado pela revista Carta Capital e pela Envolverde no dia 13 de outubro em São Paulo, com representantes do governo, do meio acadêmico, de empresas, de bancos e do terceiro setor.
Sérgio Barbosa Serra, embaixador extraordinário de Mudanças Climáticas do Itamaraty abriu o encontro salientando que há hoje dois ‘trilhos’ na abordagem deste problema. Um, mais específico, estabelecido pelo Protocolo de Quioto e o outro, mais geral, formulado pela Convenção Marco sobre Mudança Climática, assinada na ECO-92 por mais de 160 governos.
Os acordos estabelecidos pelo Protocolo vão até 2012 e prevê-se sua revisão e renovação na próxima Conferência da ONU sobre o Clima que acontece na Dinamarca, de 7 a 18 de dezembro próximo, a COP-15. A grande questão, como lembrou o embaixador é: “Os Estados Unidos estarão prontos para negociar nesta data?”, já que este país – o principal gerador de gases de efeito estufa entre os países desenvolvidos – negou-se, até o momento, a assumir metas definidas de redução de suas emissões.
Quanto ao Brasil, Barbosa garantiu que o país está disposto a abraçar metas ambiciosas de redução e ainda desempenhar um papel pró-ativo para que a reunião em Copenhague gere um resultado robusto, equitativo e orientado pela ciência.
Convivência Fraternal no Planeta
Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos e mediador da mesa matutina do Diálogo, lembrou ser essencial ter atenção com o que não se está discutindo em relação ao acordo climático. “Este é um assunto transversal, que requer o envolvimento de todos e negociações entre os povos pautadas na construção de uma convivência fraternal no planeta”, salientou.
Ele indaga se a crise traz a necessidade de mais intervenção dos governos junto ao setor produtivo. “As empresas pensam no longo prazo, com planos para 10, 20 anos. Assim, precisam de marcos regulatórios claros. Os riscos devem estar transparentes e o setor produtivo bem capacitado para seu planejamento”.
Young ressaltou ainda que os serviços de recomposição prestados pela Natureza estão sob ameaça e isto demanda uma governança global. Para ele, esta crise traz grandes oportunidades de construção de novos modelos de desenvolvimento. “As empresas, contudo, precisam de decisões corretas dos governos para construí-los”, afirmou.
Sérgio França Leão, diretor de Meio Ambiente da empresa Odebrecht concordou que as mudanças dos modos produtivos precisam ser facilitadas por legislação adequada e mecanismos eficientes. “A Sustentabilidade está na Agenda das empresas. Quem não olhar para isto, pode estar, em breve, excluído do mercado”, comentou.
Crédito e Economia Responsáveis
Sérgio Weguelin, superintendente da área de Meio Ambiente do BNDES, acrescentou que as condições naturais do Brasil e, em particular, suas florestas, significam para o País, um potencial gigantesco de desenvolvimento de uma nova economia. “O mundo em 10 anos será outro. Quer queiramos ou não, novas tecnologias e o consumo consciente tomarão o cenário. Temos que assumir: o desafio de aliar esta transformação com desenvolvimento e preservação dos recursos naturais é nosso. É importante acordarmos e estarmos juntos buscando soluções”, disse o profissional.
Ao ser indagado sobre a responsabilidade do Banco em financiar atividades que causam danos ambientais, Weguelin esclareceu que o BNDES está empenhado na elaboração de guias ambientais de referência para todos os setores produtivos. “Estes guias orientarão os analistas do Banco na concessão – ou não – de crédito”, disse, observando: “Bancos não elaboram projetos, mas podem influir para que empreendimentos responsáveis surjam, através de fundos específicos, por exemplo”.
Virgílio Viana, diretor da Fundação Amazonas Sustentável - FAS, acrescentou que é preciso fazer com que os biomas conservados tenham valor. “A criação de um sistema de pagamento por serviços ambientais precisa estar na agenda política e na prioridade de lideranças políticas”, defendeu.
Viana explicou que o desmatamento é um problema com origem econômica e que projetos geradores de renda com produtos florestais são mais lucrativos do que a derrubada de árvores para madeira, pasto ou agricultura extensiva. Com a atuação da Fundação junto a comunidades caboclas do Amazonas, conseguiu-se, por exemplo, triplicar o preço pago por uma lata de castanhas – de R$ 4,00 para R$ 12,00.
“Isto com a construção de um paiol para seu armazenamento e a estruturação de um centro de escoamento”, detalhou. Da mesma forma, o óleo de andiroba – árvore nativa da floresta amazônica – passou de R$ 6,00 para R$ 22,00. “Manter as florestas de pé é mais interessante para o Brasil”, concluiu.
Transferência de Tecnologias
Todos participantes apontaram que as negociações sobre o clima são uma grande oportunidade para o Brasil. Elas abrem espaço para melhorar condições de vida, valorizando recursos naturais e conhecimentos e habilidades que as populações tradicionais possuem.
Além disto, o Brasil pode desempenhar um papel importante transferindo tecnologia para outros países terem um desenvolvimento sustentável. Isto já vem ocorrendo com o etanol e o biodiesel, por exemplo. “O etanol brasileiro é viável, pois é obtido com cana-de-açúcar, o que dá uma proporção de 1 unidade de energia fóssil equivalente consumida para 8 produzidas”, explicou o professor José Goldemberg, doutor em Física e ex-reitor da USP, também presente no Diálogo.
Goldemberg detalha que a cana pode ser vista como ‘energia solar liquefeita” e que o Brasil poderá gerar de 7 a 8 milhões de quilowatts com o bagaço da cana. Este é apenas um exemplo do potencial de energias renováveis do País. Ainda temos a eólica, a solar, e alternativas como a mamona e o dendê, destacados também por outros convidados, como Ana Julia Carepa, atual governadora do Pará e João Norberto Noschang Neto, gerente de tecnologia da Petrobras Biocombustível.
A governadora Ana detalhou que o dendê recebe críticas na Ásia, pois ali ocorre desmatamento para seu plantio. “No Pará, temos terras para recuperar disponíveis para este cultivo”, destacou, apontando um projeto da empresa Vale que movimentará suas locomotivas exclusivamente com óleo de dendê, até 2014, em parceria com a Biopalma.
Contudo, acrescentou: “A Amazônia não pode mais servir apenas como fornecedora de matérias-primas para as regiões ditas ‘desenvolvidas’. Além de combate e controle, temos que criar alternativas econômicas com a floresta de pé para conter o desmatamento e recuperar as matas. Chega de simplesmente mandar desenvolvimento para fora”.
Somos Capazes
Dal Marcondes, jornalista mediador da mesa da tarde, lembrou outros estudiosos, como Ignacy Sachs, que provam como a bioeconomia fará uma diferença fundamental. Ele declarou acreditar na capacidade empreendedora humana para resolver os problemas postos.
Concordou com ele, Linda Murasawa, superintendente de Desenvolvimento Sustentável do Grupo Santander Brasil. Hoje, o risco do planeta é enorme pela dependência do petróleo – um bem finito. “Para administrá-lo, são necessárias outras fontes de energia, como a biomassa, campo em que o Brasil está na frente”, disse. Ela lembrou também que a construção de uma economia de baixo carbono só é viável se promover a inclusão social e a geração de renda e citou como experiência bem-sucedida a iniciativa do grupo “Poupança Florestal”, que beneficia 17 mil famílias do Rio Grande do Sul,
Houve um consenso de que o modelo capitalista atual está em transição. “Precisamos de mais apoio ao desenvolvimento local e dar acesso amplo e gratuito ao conhecimento”, alertou Ladislau Dowbor, economista e professor da PUC-SP, bastante preocupado com a aceleração da pressão das atividades humanas sobre o planeta. Dowbor lista em seu site, 89 propostas práticas, para ampliação do poder local, gerando soluções a partir dos municípios.
Estabelecer novos modelos requer novas formas de pensar e interagir. “Temos que ter muita paciência e sapiência para lidar com todo nosso potencial”, observou João Norberto. Questionado sobre a validade e o impacto da exploração do petróleo na camada pré-sal, esclareceu: “Estamos há mais de 10 anos pesquisando biocombustíveis e um novo sistema nesta área requer muitos estudos, estratégia e recursos. O pré-sal gerará a riqueza necessária para a transformação, com qualidade e eficiência”.
(Envolverde)
0 Deixe aqui sua opinião!:
Postar um comentário